quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O trinco da porta

Na porta do pátio, havia muito que faltava o trinco.

O lavrador, quando entrava ou saía, nunca se esquecia de encostá-la; mas ninguém mais tinha o mesmo cuidado, e por isso a criação andava sempre a fugir para o campo, e as cabras e ovelhas a entrar no pátio e até para dentro de casa, o que, além de arreliar, fazia perder muito tempo.

Mas o lavrador, todas as vezes que a mulher o aconselhava a comprar o trinco, respondia-lhe:
- Ele faz falta, lá isso faz; mas custa oito vinténs, e esse dinheiro também me faz muita falta.

Continuava a porta sem trinco, e eis que uma bela manhã foge o melhor porco do chiqueiro e safa-se por ela direito a um matagal, que havia lá fora, no campo.

Um dos filhos do lavrador ainda o bispou e disse em altos berros:
- Lá vai o porco! Lá vai o porco!

Ouvio-o o pai na cavalariça, onde estava prendendo à manjedoura o cavalo preto, e deixou-o logo para correr atrás do porco.

A mulher fez o mesmo à roupa, que engomava na cozinha, e desatou a correr atrás do marido.

A filha, que ao pé da lareira mexia a sopa, desatou a correr atrás da mãe.

E, atrás de todos, enfiaram também, numa corrida doida, o filho e o criado.

Na azáfama em que este corria, não mediu bem a largura dum valado, escorregou e torceu um pé.

O lavrador, a mulher, o filho e a filha, não tiveram outro remédio senão acudir-lhe; e os dois homens troxeram para casa, de charola, o pobre rapaz, que lamuriava:

- Ai o meu pé! Ai! A minha perna!

Tinha também escalavrado uma canela.

Na cozinha sentiram um cheiro muito forte a roupa queimada. Havia saltado uma brasa do ferro de engomar para a melhor camisa do lavrador.

E a sopa estava perdida, com esturro!

Furioso contra a mulher e a filha, o lavrador correu à cavalariça, lembrando-se do cavalo preto.

Andava solto e, com uma parelha de coices acabava de partir uma perna ao jumento.

Ainda mais: o criado esteve quinze dias estirado na cama, mas ganhando dinheiro ao amo, que teve de fazer-lhe a obrigação mais o filho.

E tudo porque a tempo não se tinham gasto oito vinténs com o trinco da porta!

Sem comentários: