Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
Fernando Pessoa
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Triste passeio
Com certeza que é: Florbela Espanca
Vou pela estrada, sozinha.
Não me acompanha ninguém.
- Num atalho, em voz mansinha:
"Como está ele? Está bem?"
É a toutinegra curiosa;
Há em mim um doce enleio...
Nisto pergunta uma rosa:
"Então ele? Inda não veio?"
Sinto-me triste, doente...
E nem me deixam esquecê-lo!...
Nisto o sol impertinente:
"Sou um fio do seu cabelo..."
Ainda bem. É noitinha.
Enfim já posso pensar!
Ai, já me deixam sozinha!
De repente, oiço o luar:
"Que imensa mágoa me invade,
Que dor o meu peito sente!
Tenho uma enorme saudade!
De ver o teu doce ausente!"
Volto a casa. Que tristeza!
Inda é maior minha dor...
Vem depressa. A natureza
Só fala de ti, amor!
Vou pela estrada, sozinha.
Não me acompanha ninguém.
- Num atalho, em voz mansinha:
"Como está ele? Está bem?"
É a toutinegra curiosa;
Há em mim um doce enleio...
Nisto pergunta uma rosa:
"Então ele? Inda não veio?"
Sinto-me triste, doente...
E nem me deixam esquecê-lo!...
Nisto o sol impertinente:
"Sou um fio do seu cabelo..."
Ainda bem. É noitinha.
Enfim já posso pensar!
Ai, já me deixam sozinha!
De repente, oiço o luar:
"Que imensa mágoa me invade,
Que dor o meu peito sente!
Tenho uma enorme saudade!
De ver o teu doce ausente!"
Volto a casa. Que tristeza!
Inda é maior minha dor...
Vem depressa. A natureza
Só fala de ti, amor!
Carta para longe
Mais Florbela Espanca, está bem de ver
O tempo vai um encanto,
A Primavera 'stá linda,
Voltaram as andorinhas...
E tu não voltaste ainda!...
Porque me fazes sofrer?
Porque te demoras tanto?
A Primavera 'stá linda...
O tempo vai um encanto...
Tu não sabes, meu amor,
Que, quem 'spera, desespera?
O tempo está um encanto...
E, vai linda a Primavera...
Há imensas andorinhas;
Cobrem a terra e o céu!
Elas voltaram aos ninhos...
Volta também para o teu!...
Adeus. Saudades do sol,
Da madressilva e da hera;
Respeitosos cumprimentos
Do tempo e da Primavera.
Mil beijos da tua q'rida,
Que é tua por toda a vida
O tempo vai um encanto,
A Primavera 'stá linda,
Voltaram as andorinhas...
E tu não voltaste ainda!...
Porque me fazes sofrer?
Porque te demoras tanto?
A Primavera 'stá linda...
O tempo vai um encanto...
Tu não sabes, meu amor,
Que, quem 'spera, desespera?
O tempo está um encanto...
E, vai linda a Primavera...
Há imensas andorinhas;
Cobrem a terra e o céu!
Elas voltaram aos ninhos...
Volta também para o teu!...
Adeus. Saudades do sol,
Da madressilva e da hera;
Respeitosos cumprimentos
Do tempo e da Primavera.
Mil beijos da tua q'rida,
Que é tua por toda a vida
domingo, 24 de fevereiro de 2008
Se tu viesses ver-me
Poema de Florbela Espanca
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
Minha culpa
Poema de Florbela Espanca
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...
Como a sorte, hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem! ...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
Sei lá! Sei lá! Eu sei lá bem
Quem sou?! Um fogo-fátuo, uma miragem...
Sou um reflexo... um canto de paisagem
Ou apenas cenário! Um vaivém...
Como a sorte, hoje aqui, depois além!
Sei lá quem sou?! Sei lá! Sou a roupagem
Dum doido que partiu numa romagem
E nunca mais voltou! Eu sei lá quem! ...
Sou um verme que um dia quis ser astro...
Uma estátua truncada de alabastro...
Uma chaga sangrenta do Senhor...
Sei lá quem sou?! Sei lá! Cumprindo os fados,
Num mundo de vaidades e pecados,
Sou mais um mau, sou mais um pecador...
Fanatismo
Poema de Florbela Espanca
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa... "
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!
Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!
Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!
"Tudo no mundo é frágil, tudo passa... "
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!
E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!
Navegar é preciso
Só podia ser Fernando Pessoa
Navegar é Preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
Navegar é Preciso
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008
António Aleixo
António Aleixo, foi um poeta popular algarvio, semi-analfabeto, que se distinguiu pelas suas quadras "picantes", que se adaptam perfeitamente à realidade portuguesa de hoje.
Nasceu em Vila Real de Santo António, em 1899 e faleceu em Loulé, em 1949.
Eis algumas:
Forçam-me, mesmo velhote,
de vez em quando, a beijar
a mão que brande o chicote
que tanto me faz penar.
Porque o mundo me empurrou,
caí na lama, e então
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.
Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
À guerra não ligues meia
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra.
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
Sei que pareço um ladrão ...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.
Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.
Eu já não sei o que faça
p'ra juntar algum dinheiro
se se vendesse a desgraça
já hoje eu era banqueiro.
A vida na grande terra
corrompe a humanidade.
Entre a cidade e a serra
prefiro a serra à cidade.
O mundo só pode ser
melhor do que até aqui
-quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!
Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.
Bate a fome à porta deles
e é lá mais mal recebida
do que na casa daqueles
que a sofreram toda a vida.
Uma mosca sem valor
poisa, c'o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
Para não fazeres ofensas
e teres dias felizes
não digas tudo o que pensas
mas pensa tudo o que dizes.
Vinho que vai p'ra vinagre
não retrocede o caminho;
só por obra de milagre,
pode de novo ser vinho.
Quando te vês mal, e dizes
que preferias a morte
pensa que outros menos felizes
invejam a tua sorte.
Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
às vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós.
Julgando um dever cumprir,
sem descer no meu critério,
-digo verdades a rir,
aos que me mentem a sério.
Nasceu em Vila Real de Santo António, em 1899 e faleceu em Loulé, em 1949.
Eis algumas:
Forçam-me, mesmo velhote,
de vez em quando, a beijar
a mão que brande o chicote
que tanto me faz penar.
Porque o mundo me empurrou,
caí na lama, e então
tomei-lhe a cor, mas não sou
a lama que muitos são.
Eu não tenho vistas largas,
nem grande sabedoria,
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia.
À guerra não ligues meia
porque alguns grandes da terra,
vendo a guerra em terra alheia,
não querem que acabe a guerra.
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos, que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.
Que importa perder a vida
em luta contra a traição,
se a Razão mesmo vencida,
não deixa de ser Razão?
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
Sei que pareço um ladrão ...
mas há muitos que eu conheço
que, não parecendo o que são,
são aquilo que eu pareço.
Enquanto o homem pensar
que vale mais que outro homem,
são como os cães a ladrar,
não deixam comer, nem comem.
Eu já não sei o que faça
p'ra juntar algum dinheiro
se se vendesse a desgraça
já hoje eu era banqueiro.
A vida na grande terra
corrompe a humanidade.
Entre a cidade e a serra
prefiro a serra à cidade.
O mundo só pode ser
melhor do que até aqui
-quando consigas fazer
mais p'los outros que por ti!
Eu não sei porque razão
certos homens, a meu ver,
quanto mais pequenos são
maiores querem parecer.
Bate a fome à porta deles
e é lá mais mal recebida
do que na casa daqueles
que a sofreram toda a vida.
Uma mosca sem valor
poisa, c'o a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria.
Para não fazeres ofensas
e teres dias felizes
não digas tudo o que pensas
mas pensa tudo o que dizes.
Vinho que vai p'ra vinagre
não retrocede o caminho;
só por obra de milagre,
pode de novo ser vinho.
Quando te vês mal, e dizes
que preferias a morte
pensa que outros menos felizes
invejam a tua sorte.
Não sou esperto nem bruto,
nem bem nem mal educado
sou simplesmente o produto
do meio em que fui criado.
São parvos, não rias deles,
deixa-os ser, que não são sós;
às vezes rimos daqueles
que valem mais do que nós.
Julgando um dever cumprir,
sem descer no meu critério,
-digo verdades a rir,
aos que me mentem a sério.
domingo, 10 de fevereiro de 2008
Eu me lembro
Eu me lembro, eu me lembro! Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia,
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca espuma para o céu sereno.
E eu disse a minha Mãe nesse momento:
«Que dura orquestra! que furor insano!
Que pode haver maior que o oceano,
Ou que seja mais forte que o vento?»
Minha Mãe, a sorrir, olhou para os céus
E respondeu: «Um ser, que nós não vemos,
É maior do que o mar, que nós tememos,
Mais forte que o tufão! meu filho, é Deus!»
Casimiro de Abreu
E brincava na praia; o mar bramia,
E, erguendo o dorso altivo, sacudia
A branca espuma para o céu sereno.
E eu disse a minha Mãe nesse momento:
«Que dura orquestra! que furor insano!
Que pode haver maior que o oceano,
Ou que seja mais forte que o vento?»
Minha Mãe, a sorrir, olhou para os céus
E respondeu: «Um ser, que nós não vemos,
É maior do que o mar, que nós tememos,
Mais forte que o tufão! meu filho, é Deus!»
Casimiro de Abreu
Esperteza saloia
Um dia, nos bons tempos de D.Miguel, certo saloio astuto foi condenado a acabar na forca por crime de morte de homem. Quando já estava no oratório, com o baraço ao pescoço, pediu que o conduzissem à presença do rei, porque queria, antes de morrer, revelar um facto importante a sua magestade. Fizeram a vontade ao saloio, atiraram-lhe um farragoulo de burel às costas, e levaram-no a Queluz.
-Que é que tu queres? - perguntou-lhe D.Miguel.
-Ah, meu senhor! Queria pedir a vossa magestade que me concedesse mais um ano de vida. Não é que tenha medo da morte, meu senhor, porque a gente não morre senão uma vez. Mas, com o perdão de vossa magestade, eu estava ensinando o meu burro a ler, um burro de grande entendimento que lá tenho em Loures, e custa-me deixar este mundo sem ver o animal ensinado ...
-Quê? Então o burro lê?
-Já conhece as letras, meu senhor.
O rei achou-lhe graça, chamou o conde de Basto, concedeu ao homem um ano de vida que ele lhe pedia, e prometeu-lhe o perdão da forca, se ele lhe trouxesse o burro em estado de soletrar a Constituição de 1820.
-E agora, como é que tu te arranjas? - perguntava à saída o ministro, cheio de grã-cruzes, ao saloio, que pulava de contente.
-Ora, senhor! Num ano, ou morre o rei, ou morre o burro, ou morro eu.
Júlio Dantas
Júlio Dantas
-Que é que tu queres? - perguntou-lhe D.Miguel.
-Ah, meu senhor! Queria pedir a vossa magestade que me concedesse mais um ano de vida. Não é que tenha medo da morte, meu senhor, porque a gente não morre senão uma vez. Mas, com o perdão de vossa magestade, eu estava ensinando o meu burro a ler, um burro de grande entendimento que lá tenho em Loures, e custa-me deixar este mundo sem ver o animal ensinado ...
-Quê? Então o burro lê?
-Já conhece as letras, meu senhor.
O rei achou-lhe graça, chamou o conde de Basto, concedeu ao homem um ano de vida que ele lhe pedia, e prometeu-lhe o perdão da forca, se ele lhe trouxesse o burro em estado de soletrar a Constituição de 1820.
-E agora, como é que tu te arranjas? - perguntava à saída o ministro, cheio de grã-cruzes, ao saloio, que pulava de contente.
-Ora, senhor! Num ano, ou morre o rei, ou morre o burro, ou morro eu.
Júlio Dantas
Júlio Dantas
O Leão Velho
Decrépito o leão, terror dos bosques,
E saudoso da antiga fortaleza,
Viu-se atacado pelos outros brutos,
Que intrépidos tornou sua fraqueza.
Eis o lobo, cos dentes o maltrata,
O cavalo cos pés, o boi coas pontas;
E o mísero leão, rugindo apenas,
Paciente digere estas afrontas.
Não se queixa dos fados; porém, vendo
Vir o burro, animal d'ínfima sorte,
-Ah! vil raça! (lhe diz) - morrer não temo,
Mas sofrer-te uma injúria é mais do que morte!
Manuel M.B. du Bocage
E saudoso da antiga fortaleza,
Viu-se atacado pelos outros brutos,
Que intrépidos tornou sua fraqueza.
Eis o lobo, cos dentes o maltrata,
O cavalo cos pés, o boi coas pontas;
E o mísero leão, rugindo apenas,
Paciente digere estas afrontas.
Não se queixa dos fados; porém, vendo
Vir o burro, animal d'ínfima sorte,
-Ah! vil raça! (lhe diz) - morrer não temo,
Mas sofrer-te uma injúria é mais do que morte!
Manuel M.B. du Bocage
Epigrama
Um rico, velho avarento,
já bem perto de expirar,
para fazer testamento
manda o tabelião chamar.
Com timbre de voz roufenho,
diz o velho, a suspirar:
-«Deixo tudo quanto tenho ...»
e não podia acabar.
O tabelião, cansado
do seu tempo em vão gastar,
tendo escrito, diz zangado:
-«O resto? queira ditar»-
-Deixo tudo quanto tenho ...
o velho torna, a chorar;
pára um pouco e diz roufenho:
«porque o não posso levar».
Faustino X. de Novais
já bem perto de expirar,
para fazer testamento
manda o tabelião chamar.
Com timbre de voz roufenho,
diz o velho, a suspirar:
-«Deixo tudo quanto tenho ...»
e não podia acabar.
O tabelião, cansado
do seu tempo em vão gastar,
tendo escrito, diz zangado:
-«O resto? queira ditar»-
-Deixo tudo quanto tenho ...
o velho torna, a chorar;
pára um pouco e diz roufenho:
«porque o não posso levar».
Faustino X. de Novais
Bem perguntado
-"Senhores, está aberta a sessão" -
Isto disse Dom Ratão,
Presidente da Assembleia
Dos ratinhos e ratões.
-"Quem tiver qualquer ideia
Que pretenda apresentar,
Faça favor de falar
Sem quaisquer hesitações.
Sabem todos a questão:
Há um gato, um mariolão
(E aqui baixou a voz
O prudente Dom Ratão),
Que anda a dar cabo de nós,
Sem qualquer contemplação;
Esta assembleia geral,
Que aqui mandei reunir,
Chamei-a para descobrir
Remédio para este mal.
Quem quer usar da palavra?"
Um ratão de qualidade
Pigarreou e disse assim:
-"Senhor Presidente, lavra
Nesta raça um tal desgaste,
Tão grande calamidade,
Que eu acho, na realidade
Ser-lhe urgente pôr-lhe fim!
Faz sentido que um gatito,
Um vulgaríssimo traste,
Apenas porque é expedito,
Tão subtil que não se sente,
Vá dando cabo da gente?
Não pode ser! Tenho dito."
Perguntou o presidente:
-"E o distinto orador,
Que com tanto brilho expõe,
Que remédio é que propõe?"
Diz o outro, com calor:
-"Entendo que é suficiente
Pôr ao pescoço do gato
Um chocalho bem estridente,
Que logo previna um rato
Da sua aproximação!
Que isto não tenha ocorrido
Até causa admiração!"
Gritam todos "Apoiado!",
Dando vivas ao Ratão,
Que sorri desvanecido;
Mas um ratinho - um gaiato -
Pergunta com ar mofino
E risinho descarado:
-"E quem é que põe o sino
Ao pescocinho do gato?..."
Isto disse Dom Ratão,
Presidente da Assembleia
Dos ratinhos e ratões.
-"Quem tiver qualquer ideia
Que pretenda apresentar,
Faça favor de falar
Sem quaisquer hesitações.
Sabem todos a questão:
Há um gato, um mariolão
(E aqui baixou a voz
O prudente Dom Ratão),
Que anda a dar cabo de nós,
Sem qualquer contemplação;
Esta assembleia geral,
Que aqui mandei reunir,
Chamei-a para descobrir
Remédio para este mal.
Quem quer usar da palavra?"
Um ratão de qualidade
Pigarreou e disse assim:
-"Senhor Presidente, lavra
Nesta raça um tal desgaste,
Tão grande calamidade,
Que eu acho, na realidade
Ser-lhe urgente pôr-lhe fim!
Faz sentido que um gatito,
Um vulgaríssimo traste,
Apenas porque é expedito,
Tão subtil que não se sente,
Vá dando cabo da gente?
Não pode ser! Tenho dito."
Perguntou o presidente:
-"E o distinto orador,
Que com tanto brilho expõe,
Que remédio é que propõe?"
Diz o outro, com calor:
-"Entendo que é suficiente
Pôr ao pescoço do gato
Um chocalho bem estridente,
Que logo previna um rato
Da sua aproximação!
Que isto não tenha ocorrido
Até causa admiração!"
Gritam todos "Apoiado!",
Dando vivas ao Ratão,
Que sorri desvanecido;
Mas um ratinho - um gaiato -
Pergunta com ar mofino
E risinho descarado:
-"E quem é que põe o sino
Ao pescocinho do gato?..."
sábado, 9 de fevereiro de 2008
Quem o alheio veste ...
Vendo um jumento a dose de importância
que tem em certas classes o cavalo,
pôs selim e arqueou com elegância,
tentando o mais possível imitá-lo.
Depois, foi para a feira, airoso e lindo,
e, na verdade, os outros animais
saudaram, com respeito, o recém vindo,
atendendo aos bonitos atafais.
-"Vosselência é cavalo, ou coisa assim?"
-perguntaram os brutos ao jumento.
-"Se sou cavalo?! Já se vê que sim"
-o vaidoso orneou, profundo e lento.
Ouvindo em vez de rincho aquele zurro,
os outros conheceram-lhe o disfarce.
...Por mais que tente disfarçar-se um burro,
tarde ou cedo virá a revelar-se.
Acácio de Paiva
que tem em certas classes o cavalo,
pôs selim e arqueou com elegância,
tentando o mais possível imitá-lo.
Depois, foi para a feira, airoso e lindo,
e, na verdade, os outros animais
saudaram, com respeito, o recém vindo,
atendendo aos bonitos atafais.
-"Vosselência é cavalo, ou coisa assim?"
-perguntaram os brutos ao jumento.
-"Se sou cavalo?! Já se vê que sim"
-o vaidoso orneou, profundo e lento.
Ouvindo em vez de rincho aquele zurro,
os outros conheceram-lhe o disfarce.
...Por mais que tente disfarçar-se um burro,
tarde ou cedo virá a revelar-se.
Acácio de Paiva
O criado mentiroso
Certo lavrador tinha, havia pouco tempo, um criado, que viera de muito longe e mentia por gosto.
Iam os dois uma vez a cavalo e disse o criado:
-Lá na minha terra, vi um dia uma raposa ainda maior que a ponte de sete arcos que atravessa o rio.
-Bem andaste falando-me em pontes - disse o amo - pois quero dar-te um aviso. Uma vamos daqui a pouco atravessar, que tem um condão especial.
-E qual é? - perguntou o criado.
-Abre-se pelo meio, quando por ela passa quem nesse dia haja pregado alguma peta.
O criado enfiou, e de ali a bocadinho disse ao amo:
-Tamanha como a ponte não seria a raposa, mas era assim como um boi muito grande.
O amo não lhe respondeu, e o criado que ia cavalgando atrás dele, coçava a orelha, muito atrapalhado.
-E talvez nem chegasse ao tamanho dum boi; como um cavalo é que ela era, ou como um burro.
Já se avistava a ponte. O moço pôs-se a tremer.
Se ela se lhe abrisse debaixo dos pés, a queda ao rio era certamente mortal. Foi então dizendo:
-Era como um burro. era; assim como um burro pequenino, acabado de nascer, pouco maior que um cão.
A ponte era altíssima. O pobre criado, já a voz se lhe sumia de todo, quando acrescentou:
-A verdade, a pura verdade, é que a raposa era como todas as raposas.
Já o amo ia na ponte. Olhou para trás e viu o criado que parara à entrada.
-Então? - perguntou-lhe - O cavalo tem medo?
-Não senhor - respondeu-lhe o moço - sou eu que não me atrevo.
-Então porquê?
-É que eu, patrão, nunca vi raposa nenhuma.
E, persuadido enfim de que já não lhe aconteceria mal, meteu esporas ao cavalo e seguiu o lavrador, que ria às gargalhadas.
Iam os dois uma vez a cavalo e disse o criado:
-Lá na minha terra, vi um dia uma raposa ainda maior que a ponte de sete arcos que atravessa o rio.
-Bem andaste falando-me em pontes - disse o amo - pois quero dar-te um aviso. Uma vamos daqui a pouco atravessar, que tem um condão especial.
-E qual é? - perguntou o criado.
-Abre-se pelo meio, quando por ela passa quem nesse dia haja pregado alguma peta.
O criado enfiou, e de ali a bocadinho disse ao amo:
-Tamanha como a ponte não seria a raposa, mas era assim como um boi muito grande.
O amo não lhe respondeu, e o criado que ia cavalgando atrás dele, coçava a orelha, muito atrapalhado.
-E talvez nem chegasse ao tamanho dum boi; como um cavalo é que ela era, ou como um burro.
Já se avistava a ponte. O moço pôs-se a tremer.
Se ela se lhe abrisse debaixo dos pés, a queda ao rio era certamente mortal. Foi então dizendo:
-Era como um burro. era; assim como um burro pequenino, acabado de nascer, pouco maior que um cão.
A ponte era altíssima. O pobre criado, já a voz se lhe sumia de todo, quando acrescentou:
-A verdade, a pura verdade, é que a raposa era como todas as raposas.
Já o amo ia na ponte. Olhou para trás e viu o criado que parara à entrada.
-Então? - perguntou-lhe - O cavalo tem medo?
-Não senhor - respondeu-lhe o moço - sou eu que não me atrevo.
-Então porquê?
-É que eu, patrão, nunca vi raposa nenhuma.
E, persuadido enfim de que já não lhe aconteceria mal, meteu esporas ao cavalo e seguiu o lavrador, que ria às gargalhadas.
Diálogo
"MÃEZINHA: Se Deus existe
para nossa salvação,
porque há tanta gente triste
e tanto pobre sem pão?"
Ela sorriu docemente,
num vago encanto sereno,
e respondeu, firme e crente,
ao seu filhinho pequeno:
"Deus representa a pureza
da clara sabedoria.
Depois de funda tristeza,
tem mais sabor a alegria!
Deus existe em toda a parte,
porque em toda a parte cabe;
e, porque assim se reparte,
tudo vê e tudo sabe.
Arranca do coração
qualquer semente ruim,
que te leve a dizer não,
quando possas dizer sim.
Guarda Deus dentro de ti,
e nunca mais te apoquentes
com a dúvida que vi
nos teus olhos inocentes.
Pensa apenas, e afinal,
que de Deus tudo provém."
-" Então porque existe o Mal?"
-" Para poder fazer-se o Bem!"
Silva Tavares
Quando ...
Quando as avezinhas, inertes, deixarem de trinar
E as árvores caírem;
Quando o sol se afastar e a terra deixar de iluminar
E as estrelas fugirem;
Quando o mar se enfurecer e a terra galgar
E os diques abrirem;
Quando a chuva caír e o vento rugir
E os prédios ruírem;
Quando o homem, ao acordar do seu torpor,
Se aperceber que destruíu em horas,
Séculos de civilização,
Erguerei aos céus meus olhos dilatados de horror
E murmurarei então ...
"Perdoai-nos Senhor"
Fernando J
E as árvores caírem;
Quando o sol se afastar e a terra deixar de iluminar
E as estrelas fugirem;
Quando o mar se enfurecer e a terra galgar
E os diques abrirem;
Quando a chuva caír e o vento rugir
E os prédios ruírem;
Quando o homem, ao acordar do seu torpor,
Se aperceber que destruíu em horas,
Séculos de civilização,
Erguerei aos céus meus olhos dilatados de horror
E murmurarei então ...
"Perdoai-nos Senhor"
Fernando J
Sonho, realidade ... ou desespero.
O homem é como uma árvore frondosa que, à medida que os anos vão passando, vai suportando as machadadas dos lenhadores que lhe vão aparecendo, sempre com o intuito de se apoderarem da lenha e dos seus frutos mais apetecidos.
À medida que os golpes se vão sucedendo, a árvore vai enfraquecendo, até que, por fim, de tão fraca que está por tanta machadada levada, basta que alguém se encoste a ela, para desabar fragorosamente.
E vai apodrecendo ... apodrecendo.
À medida que os golpes se vão sucedendo, a árvore vai enfraquecendo, até que, por fim, de tão fraca que está por tanta machadada levada, basta que alguém se encoste a ela, para desabar fragorosamente.
E vai apodrecendo ... apodrecendo.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
A GAMELA
Homem mui velho e já tonto
Um filho casado e um neto
Debaixo do mesmo tecto,
Nos diz um conto,
Viviam,
Juntos, porém, não comiam:
O velho, pois que a tijela
Quebrava
E o caldo entornava,
Comia numa gamela
De pau, e fora
Da mesa!
Com aspereza
Era tratado
Pelo filho, e pela nora
Desprezado.
Um dia, ao canto da casa,
Estando o neto entretido
(Era ainda pequenote)
Muito atento a ver se vaza,
Com uma goiva e um serrote,
Um pedaço de madeira,
Interrompido
Pelo pai foi, que indagou
O fim de tal brincadeira.
-"Aqui estou"
Lhe responde o inocente
"A fazer uma gamela,
Qual aquela
Em que come meu avô,
Para meu pai comer nela
Quando for velho e demente."
Acrescenta mais o conto:
Revirou
O coração
Ao pai aquela lição:
Cuidadoso,
E respeitoso,
Desde então,
Tratou
Do velhinho tonto.
Filhos que não respeitais
Vossos pais,
Se algum dia vos couber
Filhos ter,
Como heis-de neles achar
Quem vos saiba respeitar?
Henrique O'Neill
Um filho casado e um neto
Debaixo do mesmo tecto,
Nos diz um conto,
Viviam,
Juntos, porém, não comiam:
O velho, pois que a tijela
Quebrava
E o caldo entornava,
Comia numa gamela
De pau, e fora
Da mesa!
Com aspereza
Era tratado
Pelo filho, e pela nora
Desprezado.
Um dia, ao canto da casa,
Estando o neto entretido
(Era ainda pequenote)
Muito atento a ver se vaza,
Com uma goiva e um serrote,
Um pedaço de madeira,
Interrompido
Pelo pai foi, que indagou
O fim de tal brincadeira.
-"Aqui estou"
Lhe responde o inocente
"A fazer uma gamela,
Qual aquela
Em que come meu avô,
Para meu pai comer nela
Quando for velho e demente."
Acrescenta mais o conto:
Revirou
O coração
Ao pai aquela lição:
Cuidadoso,
E respeitoso,
Desde então,
Tratou
Do velhinho tonto.
Filhos que não respeitais
Vossos pais,
Se algum dia vos couber
Filhos ter,
Como heis-de neles achar
Quem vos saiba respeitar?
Henrique O'Neill
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
O trinco da porta
Na porta do pátio, havia muito que faltava o trinco.
O lavrador, quando entrava ou saía, nunca se esquecia de encostá-la; mas ninguém mais tinha o mesmo cuidado, e por isso a criação andava sempre a fugir para o campo, e as cabras e ovelhas a entrar no pátio e até para dentro de casa, o que, além de arreliar, fazia perder muito tempo.
Mas o lavrador, todas as vezes que a mulher o aconselhava a comprar o trinco, respondia-lhe:
- Ele faz falta, lá isso faz; mas custa oito vinténs, e esse dinheiro também me faz muita falta.
Continuava a porta sem trinco, e eis que uma bela manhã foge o melhor porco do chiqueiro e safa-se por ela direito a um matagal, que havia lá fora, no campo.
Um dos filhos do lavrador ainda o bispou e disse em altos berros:
- Lá vai o porco! Lá vai o porco!
Ouvio-o o pai na cavalariça, onde estava prendendo à manjedoura o cavalo preto, e deixou-o logo para correr atrás do porco.
A mulher fez o mesmo à roupa, que engomava na cozinha, e desatou a correr atrás do marido.
A filha, que ao pé da lareira mexia a sopa, desatou a correr atrás da mãe.
E, atrás de todos, enfiaram também, numa corrida doida, o filho e o criado.
Na azáfama em que este corria, não mediu bem a largura dum valado, escorregou e torceu um pé.
O lavrador, a mulher, o filho e a filha, não tiveram outro remédio senão acudir-lhe; e os dois homens troxeram para casa, de charola, o pobre rapaz, que lamuriava:
- Ai o meu pé! Ai! A minha perna!
Tinha também escalavrado uma canela.
Na cozinha sentiram um cheiro muito forte a roupa queimada. Havia saltado uma brasa do ferro de engomar para a melhor camisa do lavrador.
E a sopa estava perdida, com esturro!
Furioso contra a mulher e a filha, o lavrador correu à cavalariça, lembrando-se do cavalo preto.
Andava solto e, com uma parelha de coices acabava de partir uma perna ao jumento.
Ainda mais: o criado esteve quinze dias estirado na cama, mas ganhando dinheiro ao amo, que teve de fazer-lhe a obrigação mais o filho.
E tudo porque a tempo não se tinham gasto oito vinténs com o trinco da porta!
O lavrador, quando entrava ou saía, nunca se esquecia de encostá-la; mas ninguém mais tinha o mesmo cuidado, e por isso a criação andava sempre a fugir para o campo, e as cabras e ovelhas a entrar no pátio e até para dentro de casa, o que, além de arreliar, fazia perder muito tempo.
Mas o lavrador, todas as vezes que a mulher o aconselhava a comprar o trinco, respondia-lhe:
- Ele faz falta, lá isso faz; mas custa oito vinténs, e esse dinheiro também me faz muita falta.
Continuava a porta sem trinco, e eis que uma bela manhã foge o melhor porco do chiqueiro e safa-se por ela direito a um matagal, que havia lá fora, no campo.
Um dos filhos do lavrador ainda o bispou e disse em altos berros:
- Lá vai o porco! Lá vai o porco!
Ouvio-o o pai na cavalariça, onde estava prendendo à manjedoura o cavalo preto, e deixou-o logo para correr atrás do porco.
A mulher fez o mesmo à roupa, que engomava na cozinha, e desatou a correr atrás do marido.
A filha, que ao pé da lareira mexia a sopa, desatou a correr atrás da mãe.
E, atrás de todos, enfiaram também, numa corrida doida, o filho e o criado.
Na azáfama em que este corria, não mediu bem a largura dum valado, escorregou e torceu um pé.
O lavrador, a mulher, o filho e a filha, não tiveram outro remédio senão acudir-lhe; e os dois homens troxeram para casa, de charola, o pobre rapaz, que lamuriava:
- Ai o meu pé! Ai! A minha perna!
Tinha também escalavrado uma canela.
Na cozinha sentiram um cheiro muito forte a roupa queimada. Havia saltado uma brasa do ferro de engomar para a melhor camisa do lavrador.
E a sopa estava perdida, com esturro!
Furioso contra a mulher e a filha, o lavrador correu à cavalariça, lembrando-se do cavalo preto.
Andava solto e, com uma parelha de coices acabava de partir uma perna ao jumento.
Ainda mais: o criado esteve quinze dias estirado na cama, mas ganhando dinheiro ao amo, que teve de fazer-lhe a obrigação mais o filho.
E tudo porque a tempo não se tinham gasto oito vinténs com o trinco da porta!
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